“É melhor ser Uber, amor."
Vem se alongando no tempo uma necessidade de voltar a estudar e, talvez finalmente, assumir que a Psicologia é o que tem me chamado depois que criamos a Rede Amparo, a Sala de Alma e tudo que está no entorno destas duas organizações e pessoas que atuam com a gente. O meu desejo íntimo de afirmar a Psicologia como um caminho a ser seguido e que certamente ajuda a condensar meus aprendizados nos últimos anos – ainda que necessariamente não seja (ou seja) na clínica. É sempre um desejo difícil de sentir, porque aquele lado do cérebro responsável pelos boicotes disparava:
– Em que horário você vai estudar com tanta demanda de casa e trabalho?
– Isso em alguma instância sobrecarrega Lua?
– E se der errado? E se você desistir? E se você não aguentar mais cinco anos de universidade?
Hoje pela manhã esse assunto de dentro voltou e me peguei novamente olhando para essa estrada. Levei para a terapia. Recebi um estímulo. Procurei por Lua dentro de casa e ela estava no banheiro terminando de se arrumar. Falei o que estava pensando e sentindo. Disse mais ou menos assim:
– Amor, estou sentindo que chegou a hora de retomar o projeto de estudo, de voltar à universidade, pensei que um curso de 5 anos de Psicologia pode ser um caminho bom a ser feito, diante das perspectivas atuais e cenários.
– É melhor ser Uber, amor.
Fiquei alguns segundos sem reação física aparente, talvez a morte seja o que senti – sei que o corpo está ali, ainda quente, meus olhos ainda enxergam coisas e pessoas, meus ouvidos ainda escutam os ruídos, mas a alma, bom, a alma já se foi. Encostado eu estava na guarnição da porta, encostado eu fiquei com medo do sinal mais evidente da morte, o corpo cair no chão. Esbocei uma ou outra palavra, mas não tinha força para jogar o ar dos pulmões para a boca e através dela. Pensei na sinceridade habitual de Lua e que, sim, ela devia ter elaborado do lado de lá algo assim:
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Pedro só pode estar louco. A gente está aqui num emaranhado de demandas que incluem reinventar a Rede Amparo, esta criação de uma organização nova, a Sala de Alma, ainda tem os projetos que estão em andamento. Além disso, as aulas voltam essa semana, as crianças com um semestre pela frente e muitos outros nestes cinco anos do delírio dele de ir à universidade. Ainda tem a despesa: quanto deve custar essa porra desse curso? Ah, tem mais. Ele já começou em universidades antes e não concluiu. Por que tentar mais uma vez?
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Rapidamente, no túnel escuro entre a vida e a morte onde eu me encontrava (ainda sem tombar no chão), consegui falar minhas últimas palavras.
– É, amor, acho que talvez você tenha razão. Só achei foda o jeito de você dizer isso, uau, muito duro.
E o diálogo a seguir foi este:
– Muito duro o que?
– Sei lá, eu trazer esse sonho aqui e você dizer que é melhor eu ser Uber.
– Ser Uber?
– Sim. Achei pesado.
– Não, amor. Eu falei que talvez a melhor seja o CEUB, aquela universidade aqui de Brasília, lá tem um bom curso de psicologia.
– CEUB?
– Sim, CEUB.
– Eu entendi você dizer que era melhor eu ser Uber.
– Uber? Fazer Uber? Mas amor, por que eu diria isso?
– Sei lá, você é tão sincera.
Ganhei um abraço apertado e rimos um bocado ali mesmo, no banheiro.
Ainda não sei se vou pegar essa estrada, preciso elaborar muita coisa, mas isso é certo: não será de Uber.
Pedro Barros Fonseca