Um maio qualquer.
A despeito de estar bem ao seu lado, a menos de um palmo da sua dor, ela não era minha. Por mais que tente exercitar as compaixões e empatias propostas pelo mundo que nos habita, sua dor não era minha. Ainda que estivesse fazendo um grande esforço de sentir também, no meu próprio corpo e na minha pele (é este o desejo que me vem quando te vejo com dor: queria que fosse em mim), mas não era minha, aquela dor. Lembro num lampejo esquisito do tempo da pandemia, tão absurdo em sua contagem, aquela troca de meses por mortes, de que em algum dos dezembros, você sofreu um aborto, teve anemia, caiu. E nesta contagem do absurdo, agora tento fazer as contas, sem êxito, porém vou arriscar que foi no janeiro imediatamente depois deste dezembro que, numa mensagem de WhatsApp, você foi informada de que a estrada a caminho do local onde aconteceria a primeira Barca, o seu retiro com mulheres, havia desmoronado por conta das chuvas que a única estrada a seguir seria a do cancelamento. Lembro da sua dor e ela não era minha por mais que eu, naquele e em outros tantos instantes naqueles dezembro e janeiro e em tudo que há entre um janeiro e um dezembro, quisesse que assim fosse. Minha.
Chorei pouco e tenho chorado pouco nos últimos 5 anos, sei que você notou isso faz tempo e vez por outra se arrisca em me mostrar sutilmente que percebeu. Chorei e tenho chorado pouco como quem espera uma dor maior, uma morte de uma mãe – que veio e não derramei uma lágrima sequer.
Hoje, neste 19 de maio de 2023, ao saber que você chegou bem na Fazenda onde será a primeira Barca presencial, com outras 20 mulheres, eu chorei copiosamente e só por escrever a palavra chorei volto a chorar copiosamente.
Descubro, neste instante de um maio qualquer no meio da nossa história fértil de histórias, que entre dezembro e janeiro tem muito mais a ser chorado nessa vida, para além de dores e mortes. E choro com gosto, agora, pensando que é um choro de amor, admiração, felicidade, orgulho, alívio, coragem, confiança, brilho. É um choro das antíteses das dores e mortes. É um choro de uma alegria e de uma vida. Que também não são minhas, mas suas. E aí é que choro mesmo, só de pensar que estava esperando há tanto tempo por uma lágrima pesada em cima de um teclado de computador velho. Assim, num maio qualquer. Por, com, para você.
Pedro Barros Fonseca