Uma mãe que cresce diante dos filhos.

O vazio aparece neste instante como a possibilidade de fazer caber muito. Lembro que esse é um mecanismo da minha psique de lidar com tudo através de uma lente sem arranhões, otimista que só ela mesmo. É o que tenho para hoje, quando acordo no Dia das Mães convicto de que a minha segue seu voo que não vejo, e a dos meus filhos e filhas segue um voo que acompanho entusiasmado. Há um abismo entre os voos das aves-mães-mulheres que tenho como referências mais próximas até aqui.
Imagino que a minha mãe esteja bem, cercada de amigas mulheres, num almoço feliz e musical. Desejo que esta imaginação minha seja uma realidade para ela. Não nos falamos ontem, não nos falaremos amanhã, e hoje não será diferente.
Já Lua, à distância de um oceano e de um fuso horário, está tão perto que chego a senti-la, mãos apoiadas sobre meus ombros, rosto encostado, sinto seu perfume e praticamente ouço a sua voz dizer baixinho que eu siga escrevendo.
Quem me conhece de (muito) perto sabe das minhas resistências às datas comerciais. Lembro que esse é um mecanismo da minha psique de conservar meu espectro ideológico por perto, ainda que a emoção me derreta sem vergonha alguma nestas datas.
Achei que fosse acordar sem forças. Dormi com uma crise de soluço que já durava mais de meia hora e já tinha ido do Google ao ChatGPT passando por uma mensagem de voz não enviada ao médico-amigo que sempre é acionado em casos assim, quando não tenho nada mas teimo em achar que tenho. É interessante perceber que a internet tornou-se este espaço sem dono onde uma crise de soluço pode ir de nada a um tumor. Desligo o computador rindo, com um sono danado e nem lembro em quantos segundos o soluço passa quando decido que é hora de dormir e não é hora de morrer de crise de soluço.
Acordo feliz, sorridente, abraçado pelos três mais novos. Grito pelo mais velho, que logo vem sorrindo, meio dormindo, meio sonâmbulo. No celular, a chamada de vídeo encurta o Waze entre o Lago Norte e Marylebone. Já estamos lá, juntos. Lua, as crianças, eu, os sorrisos, as vozes misturadas, a ligação que picota os eu te amos em frações só compreendidas por quem fala fluentemente a língua do amor.
Café da manhã delícia, memórias dessa mãe que no café da manhã do fim de semana quer música, mesa farta, pouca briga e histórias. Que estaria aqui entre nós falando de Eunice, sua avó, mãe da mãe, aquela que ela usava as roupas mais chiques do guarda-roupa quando era pequena. Falaria depois de Lydia, a mãe, avó das crianças, aquela que a faz chorar só de lembrar. Uma mãe no tamanho certo: grande e pequena, que dá e recebe colo, mãe inteirinha.
Saímos para a entrega do último bolo, logo aqui, pertinho de casa. As crianças escolheram as cinco mulheres ontem (está neste
vídeo aqui como isso se deu, assistam) e hoje faltava apenas uma. Fomos. Sentamos na mesa do café da manhã dela, com as crianças dela, esses encontros que não se combinam, mas combinam tanto com a gente.
Sigo aqui sorrindo, feliz por este dia, olhando deste lugar privilegiado para o vazio.
Eu deveria estar escrevendo um texto crítico pela situação vulnerável da maioria das mães brasileiras? Talvez. Mas hoje eu tento, mecanismo da psique, já sabemos, dar sentido ao vazio.
Faço caber em mim, hoje, a felicidade da distância.
Lua está longe e o rasgo no chão da casa é visível, tem até lava lá no fundo, se é que me compreendem. Está longe de nós e perto de si própria, muito perto. Sozinha, numa viagem, estudando, conhecendo gentes e mundos, aprendendo mais sobre o que já sabe tanto.

Uma mãe que cresce diante dos filhos é a mãe que deve existir, penso.

Sorrio de novo. Que bonito saber que essa mulher existe perto de nós, João, Irene, Teresa e Joaquim. Que bonito saber que essa mulher existe também longe de nós, filhas e filhos. Que bom saber que ela cabe no vazio de hoje como a imagem preenchida de quem nem precisa estar aqui para ocupar nossos corações.

Viva você, meu amor.
Viva cada mãe aqui que não se contenta em se apequenar diante de apenas um papel.
Pronto, deixei minha pitada de luta.
Cabe também.
Viva.

Pedro Barros Fonseca

pedro fonseca

pai de João, Irene, Teresa e Joaquim.

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